Boletim Agrofinanças | nº 15 | fevereiro | 2008

 

Era uma vez 2003...  
Esta é uma safra que a maioria dos traders gostaria de esquecer, mas, como em nosso setor as coisas são normalmente cíclicas, era de se esperar que em algum momento no futuro o cenário se repetisse, mas não tão rápido...

Nem tudo o que é bom para os produtores rurais é necessariamente positivo para as tradings e outros intermediários da comercialização de soja. A atual volatilidade altista nas cotações desta commodity tem devolvido o otimismo ao campo, mas por outro lado vem criando questionamentos por parte dos produtores, por enquanto velados, sobre as pré-fixações realizadas no inicio e meados de 2007.  E as dores de cabeça que devem ocorrer em 2008 não param por aí. Se remontarmos a safra recorde de 2002/03, os traders tiveram que conviver com toda a sorte de problemas, além dos citados acima. O aumento de default em contratos foi acompanhado pelas protelações das fixações de soja em depósito pelos produtores mais capitalizados, estouro de frete, demourage no porto, fortes ajustes na Bolsa de Chicago, problemas de qualidade com a soja no MT, etc. Uma safra confusa que não traz saudades às mesas de operações. Mas, independente da vontade de muitos profissionais do mercado, em certa medida temos no horizonte uma safra bastante semelhante à que ocorreu naquele ano e que causou prejuízos elevados para muitas empresas. Abaixo vamos detalhar os fundamentos que cercam esta afirmação.
 
Aumento potencial de default

Este quadro se deve a vários fatores; o primeiro, é claro, se refere ao diferencial nas cotações das primeiras fixações realizadas entre abril (CBOT U$741,40/bu) e setembro de 2007 (CBOT U$957,45/bu) e a atual conjuntura de preços (CBOT U$1291,08/bu). O segundo ponto é o volume de pré-fixações, que chegam a 50% - GO, 70% - BA e 80% em algumas regiões do MT. Um terceiro elemento é o fato de que, a partir de Setembro, muitas pré-fixações
sem pré-pagamento (15-25%) foram feitas em localidades do RS e PR, onde estas operações não têm muita tradição. Isto eleva o risco, pois nestas praças os produtores desconhecem os efeitos do “distrato” de operações pré-negociadas. De maneira geral, o questionamento incide menos sobre as operações de troca, pois estas transações foram feitas em condições mais favoráveis – se não pelo preço do grão, mas pelo baixo valor dos insumos. Quem trocou antes de junho não fez um mau negócio sob o ponto de vista de paridade.

O estresse deve ocorrer em operações de pré-fixação sem pré pagamento; é ai que mora o perigo. Muitas transações foram feitas, no MT por exemplo, nos níveis entre  11,00 a 13,00  U$/sc em mercados que hoje pagam U$ 20,00 a 22,00/sc. A exposição a risco é maior para as empresas que operam de modo remoto ou com pouca equipe de campo. No nível de mega produtores, muita coisa foi feita para entrega no Porto, e o credor desta soja vai ter que ter habilidade comercial e operacional para minimizar seus problemas. Na pré-fixação do milho para embarque em março o quadro não é diferente.

Uma agravante para este quadro é que os produtores do Cerrado e da Bahia seguem pressionados por um endividamento sem solução até o momento e que tem uma dependência enorme de decisões governamentais, o que gera desconfiança e cria uma situação que leva os mais endividados a considerar a possibilidade de trocar dívida velha por dívida nova. Apesar de ser uma atitude injusta com o credor destas fixações – já que a decisão de venda foi de livre arbítrio do produtor –, ela já é previsível em alguns casos.
 
Protelações nas fixações de soja

Com o aumento da liquidez dos produtores mais capitalizados e a percepção de que o preço da soja deve permanecer firme por um período mais longo, por conta da nova matriz energética mundial, é possível verificarmos uma gradual mudança de comportamento no campo. O que outrora ocorria com freqüência no café, poderá ocorrer na soja também. O caso de produtores segurando suas vendas armazenadas em terceiros por mais de um ano deve começar a ocorrer nos estados do sul e em áreas isoladas no cerrado. Via de regra, o produtor não gosta de ficar com muito dinheiro na conta corrente e vê o grão armazenado como uma reserva de valor. É claro que, ao contrário do café, a soja perece rápido, mas uma vez depositada em uma trading ou cooperativa, o produtor se esquece deste detalhe e, quanto mais puder “empurrar com a barriga”,melhor.

Outro fundamento que concorre para esta tendência é a oferta de crédito através dos fundos e bancos entrantes no agronegócio, que usam como lastro a soja em depósito (securitização) através de estruturas que envolvem a cessão de crédito sobre esta mercadoria. Isto permitirá que os produtores alavanquem crédito sem ter que vender a sua produção (EGF privado). É o sentido inverso ao que ocorre hoje em muitas regiões onde o produtor tem que pré-vender a produção para custear a sua safra. Se em certa medida a pré-venda preserva o produtor através do hedging, por outro lado confina o mesmo a operar com ganhos limitados, o que incomoda a maior parte desta comunidade. O prolongamento do ciclo comercial de uma safra gera transtornos logísticos e relacionais para as tradings e cooperativas. Apesar das salvaguardas contratuais, sempre haverá um estresse comercial em limitar o período especulativo do fornecedor.  

Estouro do frete doméstico

O atraso das chuvas (que só ocorreram em outubro depois que o Cerrado já havia vendido uns 60%) afunilou a safra de verão dentro de um período de aproximadamente 60 dias de colheita. Se considerarmos as condições das lavouras na maior parte das regiões, devemos ter mais uma safra recorde de soja. Dentre os importantes estados produtores, apenas a Bahia deverá estender a sua colheita para o mês de abril; os demais deverão colher tudo entre o início de fevereiro e o final de março. Se compararmos com a safra passada, toda esta movimentação ocorreu em 90 dias. Detalhe: as moegas, armazéns, transbordos, terminais portuários e caminhões são praticamente os mesmos do ano passado; portanto, é de se esperar mais filas e uma forte pressão sobre os fretes nominais em reais. Se tomarmos o referencial em U$, a situação fica ainda pior, já que o câmbio em abril/maio de 2007 estava acima de R$ 2,00/U$. Mesmo para as empresas que têm bons acordos com as Ferrovias não terão escapatória, pois o modal é lento e irá obrigar boa parte da primeira soja a ir para a estrada; caso contrário, a economia no frete será convertida em demourage no porto. São custos adicionais que, apesar das provisões das empresas, devem extrapolar qualquer projeção.  


Demourage no porto

Os mesmos fatores logísticos que deverão interferir no frete doméstico também deverão refletir na operação portuária. A pressão sobre o line up dos navios deverá ser grande, portanto não haverá margem para ineficiências operacionais. Uma atenuante para este componente importante no custo eventual das empresas é a previsão de um período menos chuvoso a partir de março para quase todo o país. Isto poderá neutralizar um pouco o efeito super-safra sobre os portos.

Fortes ajustes na Bolsa de Chicago

Considerando que as vendas desta safra iniciaram-se em Março de 2007 com CBOT em U$ 748,70 e que, em Setembro, já tínhamos algo em torno de 45% da safra brasileira negociada com CBOT a U$ 957,45, dá para ter uma dimensão do tamanho do ajuste que drenou os cofres da maioria das tradings e cooperativas nos últimos meses. As operações travadas nas estruturas com opções foram um alento diante deste cenário, mas quem se concentrou em hedging contra futuros sentiu o peso dos ajustes sobre a tesouraria.

Problemas de qualidade com a soja no MT

A chuva excessiva e prolongada já começa a gerar potenciais problemas de qualidade da safra na BR 163. Apesar das salvaguardas contratuais, a condição inadequada do produto sempre cria transtornos na classificação e, depois, na logística das empresas.
voltar para o início do boletim


Troca & Securitização
Como já foi abordado anteriormente, a dúvida quanto ao recebimento recai sobre as operações que envolvem a liquidação em contratos e títulos de soja e milho, particularmente nas operações pré-fixadas sem pré-pagamento em R$ ou insumos. As operações com cessão de crédito sobre pré-contratação de grãos da mesma forma estão sujeitas a default, já que dependem da performance do grão para serem liquidadas. Um eventual default contra o off taker poderia ser revertido de forma negocial em uma liquidação direta das NFs.
No café, dependendo da severidade das perdas por conta da seca e do calor na florada, pode haver alguma rolagem nos contratos. Historicamente, os produtores de café não operam venda antecipada da produção, mas essa prática vem crescendo em função da necessidade de captar recursos para o custeio, assim como ocorre na soja do Cerrado. Esta exposição pode criar algum problema para o cafeicultor que não colher bem. A pré-venda neste segmento está na casa dos 30-35% no Sul de Minas.  
voltar para o início do boletim


Crédito & Recebimento

Para os fornecedores de insumos da soja, milho e algodão que têm recebíveis em R$, a situação é de “Céu de Brigadeiro”. Enquanto isso, para os que realizaram troca ou pré-fixações no começo do ano passado, o panorama não é tão propício . É possível arriscar que, salvo no RS e BA, a safra de verão já “passou” e o risco de quebra é marginal.

A preocupação em termos de recebimento ocorre no café, que vem sofrendo com a desvalorização do U$ e o aumento do fertilizante e da mão-de-obra no campo. A mão-de-obra, por exemplo, que há 2 anos era de R$ 15,00/diária ao câmbio de U$ 2,40 (ou seja, U$ 6,25/diária) hoje não sai por menos de R$ 25,00 ou U$ 14,28/dia. A adubação praticamente dobrou em U$, já que o produtor pegou todas as altas entre Novembro e Janeiro. Apesar dos atuais preços do Café se encontrarem acima da média histórica, a realidade é ruim para o setor, o que pode ser  refletido em Setembro. 

Adicionalmente, a quebra de safra a ser colhida, determinada pela seca e pelas altas temperaturas na florada, pode ser crítica para a estabilidade econômica e financeira dos produtores.
voltar para o início do boletim


Dinâmica dos Preços
as
   Fonte: Cepea/Esalq


Milho:O mercado do milho perdeu fôlego nos últimos trinta dias devido tanto à oferta remanescente quanto ao estoque que as empresas recompuseram em nov/dez. Mas, em função do atraso da colheita de soja, o volume de exportação em março será muito grande e encontrará uma frente pouco favorável; o que deve pressionar os preços nas praças mais próximas do porto nos próximos dias.

Álcool: Em janeiro, o álcool hidratado proporcionou uma menor remuneração quando comparado ao açúcar, chegando a remunerar 4% menos entre os dias 21 e 25, marca que não era alcançada desde novembro de 2007.
Esse cenário de preços desaforáveis do álcool não é um fenômeno nacional, já que, também, nos mercados internacionais sua cotação se encontra em baixa. Isso gera uma queda na receita do exportador que, apesar de estar vendendo uma maior quantidade, apresenta receita  menor do que no mesmo período do ano anterior, devido às baixas cotações do dólar e do álcool. 
voltar para o início do boletim


Câmbio
as
    Fonte: Bacen

Durante o mês de janeiro, o dólar comercial apresentou uma cotação média de R$ 1,77, sofrendo uma leve valorização em relação a média de dezembro (R$ 1,76). Em geral, houve pequenas oscilações diárias, com exceção do dia 21, quando a moeda atingiu R$ 1,83, acompanhando a fuga de capitais estrangeiros devido ao temor de uma recessão na economia americana. 

No Brasil, o Banco Central optou, mais uma vez, por manter a taxa SELIC em 11,25% a.a. O principal motivo da manutenção da taxa de juros foi a preocupação com uma possível aceleração inflacionária. Ao longo do ano passado, o IGP-DI registrou aumento de 7,89%, frente a 3,79% em 2006. Destaque deve ser dado ao IPA agrícola (Índice de Preços no Atacado), que registrou aumento de 24,82% em 2007. Commodities agrícolas, como a soja e o milho, registraram aumento anual de, respectivamente, 40,1% e 31,9% no mercado interno, segundo dados do CEPEA/ESALQ. Adicionalmente, o aumento do preço do petróleo no final do ano elevou a perspectiva de uma pressão inflacionária em escala global.

Por outro lado, no cenário externo, o FED (banco central norte – americano) optou por realizar dois cortes seguidos em sua taxa de juros, com o intuito de melhorar a situação de liquidez das instituições bancárias e, assim, atenuar os efeitos de uma possível crise no país. O aumento do diferencial entre as taxas de juros externa e interna, que agora é de 8,25 p.p, intensifica a pressão sobre o mercado cambial, com a entrada de capitais estrangeiros em busca de um maior retorno financeiro.

O ano de 2007 foi um exemplo de que as políticas econômicas adotadas pelo governo foram bem aceitas pelos investidores estrangeiros, o que pode ser confirmado pela entrada recorde de IDE (Investimento Direto Estrangeiro) no Brasil. Com a manutenção desse cenário – elevado spreadentre taxa de juros interna e externa, e grande volume de IDE -, a tendência é de que o câmbio permaneça nesse patamar, ao menos no médio prazo. No entanto, como o desenvolvimento da crise nos Estados Unidos – que já sofre com queda nos indicadores de emprego e consumo -, ainda é incerto, há a possibilidade de um movimento contrario, ou seja, uma desvalorização do Real.
voltar para o início do boletim


Viabilidade & Liquidez
as

Neste quadro a penalização dos estados do Cerrado é ocasionada por dois fatores:
1. Estouro do frete, que deve onerar ainda mais o transporte do fertilizante.
2. Custos de produção: a semente também deverá acompanhar os preços do grão para todas as regiões do país. Além disso, o preço do fertilizante deve onerar a safra 2008/09; este aumento já foi identificado na matriz de custo do produtor do cerrado, na compra da safrinha e deve, ainda, perdurar ao longo de 2008. Agora só resta aguardar os movimentos dos fornecedores de defensivos, mas não acreditamos em uma manutenção dos preços praticados em 2007.


as

Nossa análise considera a persistência do endividamento histórico nas contas do produtor, ainda não solucionada por parte do governo.
Este quadro afeta sobretudo os estados do cerrado, que expandiram mais a produção entre 2000 – 2005, imobilizando o capital disponível no período. Existe, ainda, uma tendência de repetição moderada deste movimento.
Impulsionados pelos melhores resultados, muitos produtores têm planos de, novamente, redirecionar o seu saldo de caixa para ampliações de suas áreas.
No café, o quadro se encontra em declínio devido, principalmente, ao mau resultado e ao baixo estoque disponível para venda.
Os estados do sul do país que, em comparação com os estados do cerrado, apresentam baixo endividamento e realizaram menos vendas antecipadas, representam uma melhor recuperação em termos de liquidez. Isso porque, apesar de ainda não terem colhido, já são capazes de captar recursos sobre a safra a ser colhida.
voltar para o início do boletim


Jurídico
NOVA SAFRA, NOVAS PERSPECTIVAS DE RECUPERAÇÃO DE ATIVOS*

Prezados colegas operadores de crédito e cobrança, a colheita da safra de soja 2007/2008 se aproxima e o evento pode reservar-lhes uma boa oportunidade.

Vale destacar que deixamos para traz uma safra (2006/2007) considerada satisfatória, em todos os sentidos. Por sua vez, os indicadores da safra 2007/2008 se apresentam positivos (preço das commodities, produtividade, clima, etc...). Esse mix induz ao aumento do potencial de pagamento do produtor rural.

A soma desses fatores oportuniza a análise da carteira visando a repactuação da inadimplência. Poderá surgir dúvida entre a imediata repactuação ou o aguardo da confirmação das expectativas, quando da colheita. Nossa sensação é de que - reunidas as condições supra elencadas - estão presentes as condições para se levar imediatamente adiante a renegociação da carteira de cobrança. Cremos que as decisões rápidas e seguras haverão de premiar o arrojo em detrimento do conservadorismo. Ou seja, o sucesso da sua política está diretamente ligado à iniciativa de sair na frente do concorrente, alinhando antecipadamente o seu crédito com a expectativa de receita do devedor.

Evidentemente que a repactuação em foco deve ser criteriosamente analisada e aplicada, de modo a ilidir completamente a possibilidade de repercussões negativas, em especial a sensação de que pode ser bom inadimplir junto a sua empresa.

Sabemos que as equipes de profissionais que compõe os departamentos de crédito e cobrança das empresas do setor agroquímico são competentes e atuantes, conseqüentemente aptas a desenvolver o proposto. Observo, contudo, que o momento pode propiciar ao credor algo maior. Pode ser o momento de delegar essa política a terceiros, especialmente um profissional do Direito. A interlocução cria melhores condições de composição, sem que o ônus da flexibilização seja diretamente imputado às partes (credor / devedor).

Independente de qual seja o direcionamento de condução da política, vale destacar que a aplicação do remédio certo, na dose certa, é determinante para a recuperação do ativo.

Boa sorte!

Obs.: Mencionamos a soja devido à conjugação dos fatores oportunidade temporal e representatividade da cultura, ressaltando que o artigo pode e deve ter aplicabilidade às demais culturas agrícolas.

* Reedição do texto divulgado no mês de dezembro de 2007.
voltar para o início do boletim

Nota: A Agrosecurity não se responsabiliza pelo uso indevido do conteúdo do Boletim para efeito de definição de limite de créditos individuais ou da exposição financeira regional. Por se tratar de uma avaliação do quadro geral (médio) dos aspectos econômicos e financeiros, pode haver divergências significativas da situação real de liquidez e viabilidade de um produtor rural em particular.    


 Editorial
   Texto: Fernando Pimentel    | Jurídico: Marco Antonio Marinelli   |
 
Edição: Felipe Prince e Julieta Morais  Revisão de Texto: Débora Alves


 

AgroSecurity  – Todos os Direitos Reservados – 2007