Boletim Agrofinanças | nº 12 | outubro | 2007

 

Moderfrota, o Subprime Tupiniquim
No dia-a-dia do ambiente de negócios, é sempre importante estarmos atentos às manifestações dos nossos governantes, para nos posicionarmos, nos anteciparmos às tendências de novas políticas governamentais e, enfim, entendermos melhor “para que lado o vento sopra”.  Mas, na prática, por vezes, nos sentimos perdidos com a falta de coerência de nossas lideranças políticas, ao interpretarem os problemas dos outros Estados vis a vis ao que ocorre em nosso próprio quintal. Neste ponto, é fundamental nos mantermos isentos de qualquer contaminação ideológica aos analisarmos os fatos postos à nossa frente.

Pois bem. Recentemente, em visita a Helsinque, na Finlândia, o nosso chefe de Estado, Pres. Lula, manifestou, de forma direta e clara, o seu posicionamento quanto à culpa do Estado norte-americano pela crise no mercado de hipotecas (Subprime), sem ressaltar o mérito da tentativa de se promover a construção civil naquele país, proferindo a seguinte frase "Quem criou a lei de financiamento foi o governo americano, portanto quem vendeu as facilidades assuma as dificuldades".  

Neste ponto, o nosso chefe de Estado não se referiu a uma política implementada pelo Sr.Clinton ou pelo Sr.Bush, mas, sim, a uma responsabilidade estatal para solucionar a crise, derivada de uma má gestão que ameaçou e ainda ameaça transbordar para outras economias, assumindo contornos de crise sistêmica global.

Voltando ao nosso contexto, com cifras bem mais modestas, temos uma situação semelhante, criada da mesma forma pelas mãos do Estado Brasileiro, sem que este, por sua vez, tenha assumido para si a responsabilidade de desenvolver uma solução viável. Refiro-me à divida agrícola e, em particular, ao MODEFROTA. Diga-se de passagem, trata-se de um programa herdado do Governo FHC, mas foi mantido pelo atual Governo, como uma política de fomento estatal.

Sem discutirmos o mérito do Programa de Modernização da Frota que, em seu objetivo primordial, foi muito bem sucedido ao fomentar a modernização do campo, não podemos nos furtar em analisá-lo detalhadamente, ou seja, sua regulamentação e fiscalização. Em uma primeira avaliação, temos no MODERFROTA a falta dos mesmos fatores assinalados como razão para a crise do Subprime: falta de regulamentação e fiscalização.

O produtor rural brasileiro, por melhor que seja, sob o ponto de vista técnico, tem pouca capacidade de avaliar a viabilidade de assumir um endividamento de longo prazo, seja pela falta de condição de projetar seu próprio fluxo de caixa, seja pela incerteza do seu ofício, ou pelo empreendedorismo cego que o impele a reinvestir na atividade, mesmo quando esta não é viável. Vale lembrar que questões como ego e vaidade muitas vezes contribuem para compras desnecessárias baseadas em expectativas erradas etc.

Em 2004, era comum encontrar produtores que compravam máquinas pensando em um arrendamento futuro ou com receio de que a linha de crédito se esgotasse. Enfim, justificativas que passavam ao largo do racionalismo que pauta a gestão agrícola dos americanos e argentinos, que, apesar das taxas de juros mais baixas que as nossas, imobilizam o mínimo de capital em equipamentos, procurando terceirizar o que podem. Na terra brasilis, se o produtor não tiver um galpão cheio de máquinas devidamente engraxadas e penhoras aos bancos, ele não se considera um produtor rural.  

Neste sentido, alguém teria que provê-lo com os mecanismos de proteção para evitar os excessos. Esta era uma tarefa do Estado, que criou o programa, dimensionou e regulamentou as suas condições de implementação. Da mesma forma que o Subprime, o efeito no médio prazo foi excelente, com um alto volume de vendas de máquinas, com seus preços a cada dia mais altos...  

E o que temos hoje? Os bancos repassadores das linhas do MODERFROTA permanecem com o “mico”, os produtores ganharam uma rolagem das parcelas que, na maioria dos casos, ainda é inadequada ao seu fluxo de caixa, e as mesmas máquinas são hoje vendidas a preços até 25% inferiores aos praticados durante a vigência do programa.

Bem, agora só falta Bush, em visita ao Iraque, retaliar Lula e dizer: "Quem criou o MODERFROTA foi o governo brasileiro, portanto quem vendeu as facilidades assuma as dificuldades".

Qualquer semelhança é mera coincidência...

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Troca & Securitização
Neste ano, uma das grandes novidades no mercado de “troca” foi o forte crescimento das operações com o milho safrinha 2007. O movimento dos canais de distribuição de insumos no MT e das fornecedoras no sudoeste Goiano gerou uma liquidez nunca vista no setor. É, sem dúvida, um grande avanço. Mas, diante das incertezas lançadas sobre a próxima safrinha, em função do atraso esperado no cronograma de plantio da soja, estas operações devem ser comprometidas no próximo ano.

No MT, o atraso no cronograma de Lucas do Rio Verde e Primavera do Leste já está estimado em 30 dias pelo menos, já que não há previsão de chuvas para os próximos 10 dias (verificado em 02 de outubro). No sudoeste goiano, o quadro não é diferente. Para agravar ainda mais o problema no MT, os produtores anteciparam a venda de aproximadamente 30% do volume projetado para uma safrinha normal. A sedutora oportunidade de fechar preço para exportação de milho para agosto 2007, com preços entre U$ 5,70 até U$ 7,00/sc, foi determinante para este movimento.

Para o segmento de insumos, a dúvida não é como fazer troca na safrinha, mas, sim, qual a tecnologia que o produtor vai empregar em uma safrinha de tamanho risco. 

No caso das grandes compradoras de milho, o que já havíamos antecipado para algumas delas está se confirmando. A partir de agora, será sempre um movimento estratégico operar parcerias com os fornecedores de insumos para dar liquidez ao milho safrinha na forma de “troca” e garantir o suprimento. No caso específico do MT, os projetos de avicultura e suinocultura na BR 163 começam a ter o seu suprimento ameaçado, caso não caia muita água nos próximos 15 dias na região.

Temos que observar, com muita atenção, o regime de chuva daqui para frente para ter a certeza de que operar troca para safrinha 2008 vai deixar de ser solução para se tornar um problema. A bola está lançada: 15-20 dias é o limite para estas duas regiões.
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Crédito & Recebimento
Análise Setorial: milho

Em edições anteriores, destacamos o aumento potencial da volatilidade das commodities, em particular, do milho, como fator de risco para o setor. Estamos cada vez mais convictos de que haverá a necessidade de uma mudança de cultura no segmento, à semelhança do que ocorreu com o trigo anos atrás.

No mês de setembro, a paridade frango/milho* chegou a atingir a relação de 6,16, contra uma média de 7,69 dos últimos 12 meses. Para se ter uma idéia, em Jan/07, mês em que a relação costuma ser a das mais baixas do ano devido ao auge da entressafra, a relação era de 6,61. Pois é... Atingiu-se um stress de entressafra em pleno setembro, após a colheita da maior safrinha da história... O que há de novo? A resposta é que o Brasil está no mercado global agora.

Neste vai-e-vem do milho, em total descompasso com o frango, deverá haver uma peneirada no setor, traduzida por uma exigência, cada vez maior, de  qualificação em gestão de risco nesta área. Não só nas granjas, mas também no setor de transformação: fubá, glúten, grits, ração etc.

Na medida em que a demanda externa aumenta, os mecanismos de comercialização se sofisticam, por meio de: compras antecipadas, pré-pagamentos, trocas, etc. A necessidade de hedging e a composição de estoque antecipado para quem quer sobreviver no segmento tornaram-se peças-chave.  A indústria local terá que competir com os mesmos mecanismos se desejar garantir seu suprimento sem sobressaltos. Acabou o outrora conhecido “mercado da mão para a boca”. Ademais, os produtores estão voltando a se capitalizar, o que dificulta ainda mais a vida de quem compra milho. 

No ambiente de crédito, isto deve se refletir no médio prazo... Quem entender, e se ajustar às mudanças, terá melhor condição de passar pelas turbulências futuras, mas aqueles menos preparados passarão por um período difícil, com algumas baixas.

Neste sentido, alguns operadores do mercado já sinalizam uma luz amarela, no sentido de reduzir a exposição em alguns sub-setores desta cadeia, mais detidamente o segmento de granjas que, dependendo do tamanho, seria o elo mais fraco neste momento de forte oscilação. 

Algumas medidas de contenção estão sendo tomadas de forma desordenada. Alguns exemplos: a suspensão do regime especial de ICMS para exportação por parte do Estado do MS; o boato, no mercado, de que o Governo Federal estaria estudando a mesma medida em caráter nacional sob o lobby do setor avícola; o pleito dos produtores de poder importar transgênicos da Argentina, e por aí vai. Porém, o ponto principal é que qualquer interferência desta ordem seria um “tiro no pé”, fazendo com que o fiel da balança pendesse para o lado da soja, aumentando ainda mais a dependência da safrinha, o que seria um desastre anunciado. Outro efeito colateral seria o impacto na renda do produtor, o que inviabilizaria de vez a possibilidade de saldar a dívida quilométrica do setor. Enfim, o aprendizado do setor para se defender em um ambiente de volatilidade é a solução. As ferramentas estão aí. 

* Quantidade de milho, em quilos, que pode ser adquirida com um quilo de frango resfriado.
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Dinâmica dos Preços
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   Fonte: Cepea/Esalq


Milho: a variação positiva de 12,61 %, base Campinas, foi mais inercial na primeira quinzena de Setembro, derivada da forte alta de Agosto. Na segunda quinzena, o mercado de Campinas estabilizou na casa dos R$ 27,00/sc, já mostrando perda de força na última semana, tendendo a um realinhamento na banda baixa dos R$ 26,00. Fatores como a baixa procura por exportação e alterações fiscais promovidas pelo MS para minimizar a saída do milho para o exterior contribuíram para o movimento. Mas a estabilização deve durar pouco, pois com uma estimativa de disponibilidade de 14 MMT de milho no momento, contra um consumo interno mensal de 3 MMT, nos é apontado  um estoque de passagem próximo de 2 MMT, que será estressante para o mercado, já que, com certeza, o milho estará mau posicionado em relação à demanda. De uma maneira geral, os grandes compradores possuem baixo estoque e provavelmente irão aproveitar esta calmaria momentânea para formar algum pulmão para resistir à escassez de JAN/FEV. Agora, é torcer para o clima colaborar e não colocar mais pólvora neste mercado, que já enfrenta bastante calor no momento.

Soja: com aumento de 9,51 %, base Paraná, a soja apresentou uma valorização expressiva em CBOT e uma melhoria no prêmio porto, motivando os produtores brasileiros e argentinos. O clima contribuiu um pouco a empurrar alguns indecisos para a soja, em detrimento do milho, principalmente no PR. A presença dos fundos foi decisiva para este movimento, mas uma correção pode ser esperada para o início deste mês, na medida em que evolui a colheita da safra nos EUA. Em CBOT, ainda não existe uma migração dos fundamentos para a safra brasileira e argentina. Portanto, o atraso no plantio devido à seca ainda não está influenciando o mercado, mas, a partir do relatório USDA do próximo dia 12/10, o cenário tende a virar a atenção um pouco mais para a nossa safra, podendo voltar a subir. O clima errático desta safra promete momentos de emoção. De uma maneira geral, o Brasil já vendeu bem, em torno de 35-40% da safra, o que garante uma média boa de preços e renda para o produtor. Agora, é preciso ter uma boa produtividade para melhorar o nível de endividamento, ainda preocupante, principalmente no Cerrado. Não existe muita expectativa de fortes quedas, a não ser as correções normais e realizações de lucro dos fundos.  

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Câmbio
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    Fonte: Bacen

Em setembro, o câmbio brasileiro apresentou uma média de R$ 1,90/dólar e a última cotação do mês apresentou valorização de 5,93% em relação à primeira.

O principal evento do mês foi o corte da taxa básica de juros norte-americana em meio ponto percentual, para evitar problemas de liquidez interbancária e desaquecimento generalizado da economia do país. Com essa medida, o dólar se desvalorizou frente a outras moedas, especialmente em relação ao euro, que atingiu valores recordes em relação à moeda norte-americana. Em nosso país, também foram sentidos os efeitos em resposta ao ajuste do FED, com o câmbio registrando fortes valorizações e o Ibovespa atingindo pontuações recordes.

Os resultados no Brasil demonstram que, apesar do cenário de incerteza nos mercados globais, o país continua sendo um bom atrativo para os investidores internacionais. São basicamente dois os motivos para isso. O primeiro deles é a taxa básica de juros da economia, que ainda é muito elevada, induzindo entrada de capitais em busca de maiores rentabilidades. O atual patamar da Selic, de 11,25% a.a., deve cair, no máximo, 25 pontos percentuais até o final do ano, segundo expectativas dos agentes, reveladas no último boletim Focus. Alguns ainda apostam na manutenção do atual patamar até o final do ano. Isso porque há uma grande preocupação do governo com a contenção inflacionária, que mostrou avanço no terceiro trimestre do ano. Adicionalmente, no mês passado, o petróleo e algumas commodities agrícolas atingiram cotações recordes no mercado internacional. Como no Brasil se adota o regime de metas de inflação, o controle dos preços é objetivo majoritário a ser perseguido pela autoridade monetária, independente das taxas de crescimento da economia.

O segundo motivo para a atração de investimentos é a posição estratégica que o Brasil vem assumindo no atual contexto global. Isso porque, num cenário em que crescem as preocupações ambientais, explícitas por alguns países e pela ONU, há um maior incentivo na expansão de fontes energéticas renováveis. Nesse contexto, o Brasil, além de possuir vasto território para plantio, é um dos produtores mais eficientes de etanol. Desse modo, cresce o Investimento Estrangeiro Direto (IED) no país, o que contribui para uma valorização da moeda nacional.

Portanto, a expectativa dos agentes, dado esse cenário, é de manutenção da sobrevalorização cambial, pelo menos no curto prazo. Porém, é importante ressaltar que o cenário externo ainda é de incerteza, já que os agentes não conhecem exatamente a magnitude do prejuízo causado pela crise no mercado hipotecário americano. Apenas nos próximos dias, quando forem divulgados os balanços do terceiro trimestre de importantes bancos, é que se conhecerá melhor o impacto do prejuízo sobre as economias. Dependendo do seu tamanho, pode haver uma reversão da tendência atual. Para os produtores rurais brasileiros, especialmente os de soja e milho, o cenário não é dos piores, já que as perdas ocasionadas pelo câmbio vêm sendo compensadas por um aumento das cotações no mercado internacional e por uma maior entrada de fundos interessados no agronegócio brasileiro.

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Viabilidade & Liquidez
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A entrada da safra de trigo e a valorização do estoque de milho favoreceram os estados do RS, PR e SC. No café, apesar da alta, os estoques diminuíram, provocando menor disponibilidade para conversão em caixa. Nos demais estados onde houve uma redução da liquidez, a mesma se deve à redução do estoque e etapa de dispêndio com o preparo da safra verão.



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No sul, o efeito do trigo melhorou a viabilidade dos produtores da região. A soja influenciou boa parte dos estados que produzem o grão. Quanto à safrinha 2008 de milho, particularmente no MT, 30% já foi vendida a bons preços. Na próxima edição, caso o atraso no plantio da soja em MT e GO persista, a safrinha deixará de ser bônus para se transformar em ônus.
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Jurídico
O país continua aguardando uma política agrícola consistente e duradoura

A Constituição Federal define que o Estado é o competente para a formulação de políticas públicas. Nelas incluída a política agrícola (CF, art. 187).

Não obstante, o Estado tem negligenciado, ao longo dos vários governos, a elaboração de uma política agrícola eficaz, permanente e apta a introduzir segurança operacional e jurídica neste segmento, que se perpetuou como um dos mais importantes para a economia do País (senão o mais importante).


Essa omissão estatal deixa o setor à mercê de políticas agrícolas de última hora e factíveis de influências eleitoreiras, proporcionando aos agentes do agronegócio rotina de constante insegurança.

Destacamos como ponto relevante da inoperância governamental os inúmeros “projetos e anteprojetos de renegociação de dívida dos agricultores”, que tramitam lentamente pelo Poder Executivo e pelo Poder Legislativo. (Poderíamos destacar, ainda, as questões pertinentes ao seguro-rural, ao preço mínimo, a armazenagem, etc...) Na ausência de uma regulação efetiva, os agricultores continuam laborando, safra após safra, com um horizonte de incerteza.           

Sob esse prisma, estamos observando que os agricultores (individual ou coletivamente) têm buscado, com maior freqüência, a tutela judicial para proteção de seus direitos.  A materialização dessa expectativa, via judiciário, não resulta de alusão infundada. Pelo contrário, está embasada em regramentos legais que conferem aos agricultores esse direito, consubstanciado especialmente pelo art. 187 da Constituição Federal, e pela Súmula 298 do Superior Tribunal de Justiça, que transcrevemos abaixo:

“O alongamento de dívida originada de crédito rural não constitui faculdade da instituição financeira, mas, direito do devedor nos termos da lei.”

Neste sentido, as proposições têm recebido acolhimento pelo judiciário, sensível aos problemas da classe e às conseqüências que podem ser desencadeadas à sociedade.


Evidentemente que essa nova postura dos agricultores pode provocar embates desnecessários e até injustos, eis que, por vezes, o assunto submetido ao crivo judicial não guarda correlação com a ausência de política pública. Do julgador se espera, nesta hora, serenidade na apreciação do pleito, de modo a sopesar a posição relativa das partes, aplicando o melhor Direito.


Nesse contexto, a atitude dos agricultores é muito salutar e deve sinalizar às autoridades que o setor requer eficiente e perene política agrícola.
 

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Nota: A Agrosecurity não se responsabiliza pelo uso indevido do conteúdo do Boletim para efeito de definição de limite de créditos individuais ou da exposição financeira regional. Por se tratar de uma avaliação do quadro geral (médio) dos aspectos econômicos e financeiros, pode haver divergências significativas da situação real de liquidez e viabilidade de um produtor rural em particular.    


 Editorial
   Texto: Fernando Pimentel    | Jurídico: Marco Antonio Marinelli    | Edição: Felipe Prince
 Revisão de Texto: Débora Alves


 

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